quinta-feira, 3 de maio de 2012

Uma análise crítica à imprensa carioca diante dos investimentos na cidade para a Copa 2014 e Olimpíadas 2016

Por José Paulo Grasso
Engenheiro e coordenador do Acorda Rio

A crise segue arrasando os países desenvolvidos. O índice de desemprego entre os jovens e adultos é avassalador. Embora a imprensa não noticie como deve, a miséria ronda a grande maioria dos lares em consequência da irresponsabilidade neoliberal que hoje é combatida em todo o mundo, mas que segue em alta no Brasil e, evidentemente, no Rio de Janeiro.

Os economistas não conseguem acertar uma sequer, a recessão reina e a maior crise de todos os tempos está aí, aterrorizando todo mundo, embora continue sendo ignorada pela classe política local, que descaradamente só quer saber de mais do mesmo.

Até quando continuaremos nessa irresponsável apatia que nos conduzirá a um trágico pós-2016? Por que perder uma oportunidade única de nos reinventarmos com ética e qualidade de vida, como outros lugares que tinham problemas iguais ou piores do que os nossos conseguiram, se ela está claramente ao nosso alcance? Por que assistimos sem reagir a uma sucessão de escândalos sem fim?

O principal programa de governo na cidade, as UPPs, faz água por todos os lados, já que é uma política pública notoriamente midiática e que só enxuga gelo. Isso foi dito pelo próprio secretário de segurança pública que adverte que é um iceberg do tamanho da Baía de Guanabara e que não pode ser enxuto por uma política de cobertor curto que cobre aqui e descobre dali.

Passado o impacto inicial, a bandidagem já se reorganizou e os índices de criminalidade dispararam em todos os aspectos, retomando patamares até maiores que os anteriores. A ocupação no Complexo do Alemão apresenta forte resistência popular e está tomando ares de intifada árabe, ao se constatar que até as crianças aderiram às provocações aos militares jogando bombinhas, escondidas em cima de lajes, nas tropas que tentam organizar a segurança local. Como foi tentado no Haiti, com o Minustah da ONU, e que não funcionou. Não adianta coibir a violência só com presença policial sem gerar emprego e renda, além de não oferecer uma opção clara de futuro, coisa que venho denunciando há muito tempo. E aí? Não vamos tomar uma atitude? Onde está a imprensa carioca para expor de forma séria essas mazelas? Reféns da especulação imobiliária e de obras de empreiteiras com sérias suspeitas de corrupção?

A “pacificação” na Tijuca, que já completou mais de dois anos e que se vangloria de prestar serviços públicos nas favelas iguais aos de bairros nobres (?), não consegue quebrar o total respeito às leis do tráfico que impedem que moradores de favelas vizinhas, separadas por apenas uma rua, mesmo sendo parentes, se confraternizem. Fica a impressão de que a segurança bandida que ostentava armas de guerra foi “trocada” pela oficial da PM, já que o tráfico de drogas continua a todo vapor, comandado por grupos que se perpetuam. Ainda mais quando descobrimos, como na ocasião da prisão do “dono” da Rocinha, escoltado por policiais da banda podre da polícia, que mais da metade do seu faturamento milionário era usado para pagar o suborno oficial. Será que foi por isso que ela foi à última a ser “pacificada”? Por que nenhum jornalista se pergunta isso? Por que nenhum editor publica respostas a essas perguntas para a sociedade? A imprensa deveria prestar um serviço à população, e não estar mancomunada aos interesses econômicos de um pequeno grupo de “empresários”.

Qual é a perspectiva de futuro que a prefeitura tem para apresentar para a população para que ela se engaje e participe ativamente? Ou não é este o interesse dos políticos atuais que temem que se isto acontecer, eles não sejam mais reeleitos? Como podemos conviver com a falta de um planejamento que aponte um futuro digno com qualidade de vida, após décadas de agonia administrativa que nos levou à falência total dos serviços públicos e privados no Rio de Janeiro? Será que ainda não aprendemos? No Jardim Botânico, depois de uma sucessão de assaltos, os moradores se uniram, mas só para combater este delito, quando o problema é macroeconômico. Temos que nos unir para dotar o Rio de Janeiro de um planejamento que revitalize a economia, atacando estes problemas e resolvendo-os definitivamente. Unir sociedade e imprensa, para pressionar o poder público por um planejamento a longo prazo, independente de interesses partidários.

A prefeitura lançou em 17 de abril uma “previsão” na qual em 2030 o Rio de Janeiro será a melhor cidade para se viver, trabalhar e conhecer em todo o hemisfério sul! Como podem afirmar uma bobagem dessas sem comprovar e, ainda por cima, ignorando as estatísticas oficiais que estão mostrando o Rio nas últimas posições nas pesquisas, em todas as áreas, numa decadência sem fim? Não é à toa que, descaradamente, já foram gastos mais de dois bilhões de reais na em comunicação, ou seja, numa publicidade que distorce a realidade feudal atual e tentar reeleger uma prefeitura que torra bilhões em projetos ditos sociais que sabidamente não trarão retorno nenhum e que terão que ser pagos por nós no pós-2016, mas que, é fácil supor, permite o que lhes interessa: comissões! E tome de empréstimos internacionais.

Isso não deveria acontecer mais nesse mundo pós-crise, que passou a exigir o retorno claro de qualquer investimento. Aliás, a única indústria que funciona no Rio é a das multas, que cresce mais de 50% ano após ano e não gera nenhuma contrapartida em educação no trânsito. E tente reclamar disso.

Não é à toa que esta festança de 17 de abril foi comandada pelo secretário da casa civil, que em artigo publicado no jornal O Globo, claro, “equivocadamente” multiplicou por três a quantidade de energia gerada no novo depósito de lixo, e não explicou que, inicialmente, dos nove milhões de toneladas apenas um milhão irá para o local, que, aliás, não tem capacidade para todo o lixo diário do Rio, e multiplicou por mil o número de empregos criados pelo novo depósito além de omitir toda a controvérsia criada em Seropédica ao receber tal “empreendimento”. Dá para acreditar no planejamento dessa prefeitura que não tem o menor compromisso com a verdade? Compromisso com a verdade que vem faltando também ao jornal, que publica a “opinião” do governo, mas não investiga os dados, as fontes, as minúcias das informações divulgadas, para trazer a precisão, a clareza e, evidentemente, a verdade dos fatos para a sociedade.

Análise das metas apresentadas constata que o plano estratégico apresentado com custo de 38 bilhões de reais privilegia apenas o gasto em obras e serviços, que, como sabemos, renderiam um belo comissionamento aos executores públicos e privados, em que o sobrepreço (corrupção) campeia imoralmente. Quando confrontada, por exemplo, com o custo do projeto Porto Maravilha, as autoridades respondem com a maior candura que não sabem precisar o custo total. Não é espetacular? Mesmo raciocínio se aplica às obras do metrô. Onde no mundo existe tanta desfaçatez com a aplicação do dinheiro público? O pior é que rigorosamente todos os especialistas condenam as siglas pomposas (BRTs e afins) utilizadas para designar “soluções” que são comprovadamente obsoletas e que, ao serem inauguradas, já não atenderão à demanda. Como permitimos isso? Quando a conta chegar, o custo social será explosivo. A Grécia seguiu este mesmo receituário neoliberal e... quebrou!

Para piorar, joga-se com os números sem o menor pudor. Há pouco tempo noticiou-se que apenas 26% da população utilizavam transportes de massa e agora, com essas obras em que o seis vai ser trocado pelo meia dúzia, como é o caso desses BRTs, segundo o site oficial da prefeitura passaremos de 18% para indecentes 63% da população se beneficiando dessas soluções arcaicas. Alguém em sã consciência pode acreditar nisso? Até quando essa manipulação de números será tolerada na imprensa?

Nesse plano estratégico apresentado, que foi pesquisado com mil e duzentas pessoas (?), além de reuniões e oficinas (?), não há uma linha sequer direcionada ao que deveria ser  o mais importante: a revitalização de uma economia que chegou ao fundo do poço e que apresenta os piores serviços públicos e privados com os custos mais altos de todo o país, porque como os poderes estão à beira da falência, o que importa é o quanto vai ser pago ao governo e não o valor da tarifa que será cobrada do cidadão. Ou seja, de um valor inicial estimado em 12 bilhões de reais, houve um salto para 38,61 bilhões, sendo que 14 bilhões de fontes externas, como financiamentos e repasses. Com isso podemos constatar que interesses privados estão sendo acintosamente privilegiados como o empreendimento de uma conhecida empreiteira que irá construir “30 anos em cinco”, em cerca de dois milhões de metros quadrados rodeados, casualmente, é claro, pela Transcarioca, linha Amarela e pelo BRT, permitindo que numa região onde a predominância é de condomínios com casas, seja erguida uma verdadeira selva de pedra com espigões de 25 andares que levarão o caos ao já congestionado trânsito da Barra, sem falar dos serviços públicos, mas que darão um lucro fabuloso ao pequeno e privilegiado grupo de “investidores”.

Para o famigerado Porto Maravilha, criou-se o absurdo de que os serviços prestados para o resto da cidade não são bons o suficiente para contemplar tal iniciativa e lá todos os serviços serão diferenciados e prestados por um consórcio particular constituído para zelar pelo patrimônio público e torrar o dinheiro das CEPACs, que obrigatoriamente deveriam ser gastos em aumentar a vazão do trânsito na área, que já esta notoriamente esgotada há décadas e que será surpreendentemente inundado por cinco mil edificações a ser construídas, sendo que a maioria terá até 50 andares. Como se pode admitir uma insanidade dessas? Repare que não há a menor previsão de aumento de arrecadação para fazer frente às despesas no pós-olímpico, para a manutenção dos tais projetos sociais e sequer um esboço de projetos de continuação de obras públicas. Será que esta prefeitura acha que o mundo irá acabar após 2016? O que a empresa que comprou um caríssimo Tatuzão para fazer o metrô da Barra irá fazer com ele? Como ficará o mercado de trabalho com o final dos investimentos bilionários que não tem a menor previsão de continuidade?

Todas as alternativas sugeridas para espólio olímpico são risíveis e não vão acrescentar nada a uma cidade que há quatro anos tinha apenas 5% da sua economia formalizada. Por que a pesquisa “chapa branca” do suplemento do jornal O Globo Rio Como Vamos, que apurou esse dado, não volta a campo e mostra o que aconteceu? Foram, entrementes, obrigados a admitir que com o advento das midiáticas UPPs nada mudou nas áreas ditas pacificadas. Mesmo assim não há nenhum planejamento para reverter este fato desagradável e desabonador. Por quê? Pobre não reclama, não é mesmo? Mas, quem pagará o pato será toda a sociedade quando a conta chegar, em todos os sentidos, inclusive com relação à perda de uma oportunidade única de nos reinventarmos.

O que temos, na verdade, é a consagração do triste epíteto de Cidade Partida, já que não há o menor planejamento para as favelas, os subúrbios e a periferia para deslanchar uma tão necessária revitalização econômica, que permita que a cidade possa realmente entrar num ciclo virtuoso, em que o emprego, a renda, a moradia e os serviços públicos sejam priorizados através de uma qualidade de vida que beneficie os seus moradores em todos os sentidos, aliado a um aumento substancial de suas rendas per capita. E por que permitimos isso se temos a maior vocação turística natural do mundo e que, se fosse desenvolvida macroeconomicamente, uniria toda a sociedade e nos levaria efetivamente à vanguarda mundial do setor?

O presidente da República da Geórgia, antiga participante da extinta URSS, revelou que após controlarem a corrupção, o PIB foi multiplicado por três. Imagine com planejamento, o que não aconteceria aqui. O que estamos esperando para seguir o mesmo caminho? Repare que neste plano não há espaço para o desenvolvimento da economia, nem para a apresentação de aumentos da arrecadação de impostos, da renda per capita e nem de aumentos salariais aos funcionários públicos, como professores, médicos, policiais e demais integrantes da sociedade que, a continuar assim, estarão condenados a passar fome, pois seus ordenados são os mais miseráveis do Brasil, em total contraste com o PIB municipal, que é o segundo maior. Dá para explicar o porquê de a economia do Rio de Janeiro não se tornar autossustentável e sustentável se ela tem potencial para alcançar isso e em curto prazo? A quem interessa que a economia do Rio não se desenvolva? Por que a imprensa não vai em busca de respostas a nossa pergunta?