terça-feira, 14 de junho de 2011

A realidade do Rio e a mídia “chapa branca”

Por José Paulo Grasso


Há cerca de um mês, o Rio assistiu a mais uma tentativa de manobra da opinião pública quando aconteceu o lançamento de um livro intitulado Rio, a hora da virada, de diversos autores, exaltando o momento, supostamente maravilhoso, que era vivido na cidade e que, na opinião desses senhores, representava uma virada de página em mais de meio século problemático que culminou com a falência total dos serviços públicos e privados.
Mesmo com todo o natural entusiasmo pela possibilidade de mudanças, a mensagem expressa é a certeza de que há muito a ser feito. Como fui convidado, estive presente e assisti, incrédulo, a uma festa “chapa branca”. Os mais variados segmentos se abraçavam entusiasmados com a presença de umas trezentas pessoas à festividade, comemorando uma ilusão. O secretário de Desenvolvimento Econômico municipal, um dos mais festejados, misteriosamente “saiu”. Nem uma palavra oficial sobre o assunto, embora a Folha de S.Paulojá tenha noticiado que ele agora dirige uma imobiliária. Nada mais natural para quem alimentou uma especulação no setor que atingiu níveis estratosféricos e não adicionou nada à revitalização de uma economia que “trilha” há longos anos uma amarga desesperança.
Entrementes, sua administração “materializou” uma “operação” que viabilizou uma PPP na qual o consórcio vencedor poderá fazer obras avaliadas em mais de oito bilhões de reais sem enfrentar o crivo de um TCU, por exemplo. Pior ainda, o leilão do projeto de revitalização da região portuária do Rio de Janeiro, realizado ontem (10/6), não teve disputa. O único habilitado foi o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, criado pela Caixa Econômica Federal, com recursos do FGTS.
Da informalidade a uma vida formal
Tudo para viabilizar a derrubada do elevado da Perimetral, viaduto de 5,5 km de extensão à beira-mar do centro da cidade, por motivos estéticos, o que irá provocar o caos total no trânsito. Chega a ser um crime praticar uma demagogia dessas numa cidade que tem sérios problemas infraestruturais, trocar o seis por meia dúzia, como se costuma dizer, enquanto se “perde” uma chance única de revitalizar os subúrbios, a periferia e a economia em geral, que são os verdadeiros problemas a serem enfrentados.
Hoje, míseros trinta dias depois do tal lançamento, a realidade já é outra completamente diferente. Estamos assistindo a um confronto entre a mais bem avaliada corporação pela opinião pública, o Corpo de Bombeiros, e o governador. Com toda a razão, os bombeiros querem aumento salarial, porque arriscam suas vidas diariamente e ganham muito pouco, principalmente no comparativo com outros estados. Só que se formos pensar assim todas as categorias, como médicos, professores, policiais etc. deveriam ser aquinhoadas também. Com a prisão de centenas de manifestantes, houve o efeito da adesão da sociedade e o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio aprovou greve geral por tempo indeterminado nas escolas do estado. Por outro lado, o estado e o município alegam, apoiados em números, que não tem receita para atender tais demandas.
Já que houve um choque da realidade, que é crudelíssima, não está mais do que na hora de se tomar uma decisão? Encarar e resolver os seriíssimos problemas que assolam o Rio há mais de cinco décadas?
Esta situação, necessariamente, tem que ser resolvida por uma proposta que agrade a todos os setores, principalmente pelo histórico da incúria administrativa. O problema é definir qual é a política pública que deve ser aplicada. O estado iniciou o enfoque com as UPPs e teve um relativo “sucesso”, até que o secretário de Segurança Pública soou o alarme e pediu por políticas públicas que deem sustentação à ocupação das favelas, proporcionando dignidade às trezentas mil pessoas, que, inicialmente falando, passariam da informalidade a uma vida formal, já que só policiamento não resolve.
Um pacto de desenvolvimento
É interessante ressaltar que o secretário de Segurança não está falando em fazer carinho ou de assistencialismo, clientelismo e outros ismos, e sim, de empregos dignos. A violência expulsou as indústrias e seus empregos, então qual é a política pública para reverter isto? Não tem? Bom, está mais do que na hora de se discutir isso, não?
A tão propalada política de segurança pública começa a ser contestada porque disparou no Rio o número de mortes a esclarecer, cujo movimento é inverso à redução no total de homicídios, que virou propaganda da gestão do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) e fez o Ministério da Saúde pedir ao estado que reveja suas estatísticas. Manipulação?
Por que o governo gasta uma fortuna mensal em propaganda para tentar fazer a população acreditar numa realidade completamente diferente daquela vivida no dia a dia? Por que não juntar todos numa política pública de resultados aproveitando outros movimentos que foram iniciados pelas atuais administrações? É preciso apresentar um projeto que passe credibilidade aliada à sensação de um futuro com qualidade de vida onde todos se sintam inseridos, acreditem nisso de verdade e participem ativamente.
Nada mais natural, então, do que aproveitar os maiores eventos midiáticos mundiais e a tão propalada união entre os três poderes para definir uma política pública de geração de empregos e renda, além de determinar uma fonte de receita que permitirá não só aumentos salariais às diversas categorias, bem como financiar obras de infraestrutura e investimentos em serviços sociais tão necessários para unir toda a sociedade em um pacto de desenvolvimento socioeconômico e revitalizar a economia do RJ através de sua vocação natural, reconhecida em todo o mundo como a de maior potencial.
Um mercado interno forte
É um absurdo que até agora não se tenha enxergado que uma solução simples como essa, que foi aplicada em todo o mundo com sucesso, apresentando resultados socioeconômicos e retorno do capital investido em curto prazo, não tenha sido discutida aqui, justamente onde apresenta um potencial único.
Se alguém se lembrar que há poucos anos era disseminado em todas as classes o hábito de “gatos” de luz e água, jogar esgoto onde desse, descaradamente, como era feito nas lagoas da Barra e que o recolhimento de lixo deveria ser feito de qualquer forma e que, felizmente, esta realidade está mudando, nada mais natural do que se ousar mais e se pensar num Rio que seja a vanguarda mundial em menos de uma década ostentando padrões internacionais de qualidade de vida.
O fator que acelerará esta transformação será a revitalização socioeconômica proporcionada pela união de toda a sociedade através de um plano diretor que demonstrará com clareza uma mudança de paradigma pela indústria do turismo, partindo do princípio de que uma cidade só é boa para o visitante quando também é para o morador e que, com esta simbiose, haverá um aumento da renda per capitaassociado a uma conscientização popular na prática, com os bons exemplos influenciando os eventuais incrédulos.
Com a apresentação de um master plan formulado por especialistas das mais diversas áreas, para aproveitar o desenvolvimento proporcionado pela âncora turismo, que prevê o total aproveitamento de todos os diversos ramos da sociedade, desde os mais humildes aos mais abonados, haverá um crescimento da arrecadação em bilhões de dólares, milhões de novos empregos, reaparelhamento industrial, atração do setor internacional de serviços e a explosão da indústria criativa em todos os seus segmentos. Claro que não será só isso, haverá uma recuperação da imagem do Brasil em todos os sentidos e o Rio mais uma vez será a caixa de ressonância que influenciará todo o país. Estamos falando de finalmente se criar um mercado interno forte para dar autossustentabilidade de vez a uma economia que deverá ser a quarta do mundo em breve, ao mesmo tempo em que permitirá uma redistribuição de renda mais justa. Será o símbolo de um novo Brasil.
A mola-mestra da revitalização
Ele será o fator fundamental que definirá a reforma de toda a infraestrutura dentro de um crescimento voltado para o curto, médio e longo prazo dentro de metas factíveis como a atração de, no mínimo, 25 milhões de turistas de qualidade nos próximos dez anos e aumento da permanência média que provocará incremento da arrecadação de bilhões de dólares. Com isso, poderemos fazer planos de negócios de longo prazo e financiarmos toda esta transformação de forma objetiva para apresentarmos resultados compatíveis com as exigências de uma sociedade que participará efetivamente da construção de um futuro, porque ela entenderá que este setor, se bem administrado, se eternizará com qualidade de vida.
Ainda está em tempo de apresentar mudanças significativas para o projeto Porto Maravilha (para quem mesmo?), pois segundo o pensamento do prefeito, na época da apresentação do Museu do Amanhã em fevereiro do ano passado, o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico, Felipe Góes, havia dito que o teto imposto pelo prefeito Eduardo Paes para a obra era de R$ 65 milhões, excluídos gastos no entorno da área escolhida. Só que, para variar, o preço já extrapolou e pode chegar a R$ 200 milhões. O imóvel, a ser erguido na região portuária do Rio, é considerado a “âncora” da revitalização da área. Mesmo que ele seja um sucesso de público, há algum estudo comprovando o retorno do capital investido? Atentem ao detalhe que sua manutenção será caríssima, entre outras coisas, por causa do mecanismo importado da Espanha que se movimenta na cobertura e que irá enfrentar a maresia. Isto está previsto? É válido enterrar todo este capital ali, se sabidamente há um projeto muito melhor?
Como o Rio tem 106 museus e eles não arrecadam sequer a verba de custeio, quanto mais sua manutenção, e este futuro museu não tem ainda sequer ideia do que apresentará dentro dele, não será melhor colocar no local um projeto que apresente um conceito único no mundo e que seja a mola-mestra da revitalização da economia levando desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental a todo o Rio, inclusive subúrbios e periferia? Por que esta nova alternativa não é levada ao prefeito, para que ele possa confrontar as duas e optar pela melhor?
Resultados pífios, divulgados como se fossem fantásticos
Só para lançar mais luz numa decisão como esta, posso citar um estudo recente da MasterCard, que aponta que os turistas em visita à cidade de São Paulo devem gastar US$ 3,1 bilhões em 2011, com 2,7 milhões de chegadas no ano. Quanto isto significa só em ISS? Quanto dará no total o aumento da arrecadação? Estes números costumam ser segredo de Estado, para não despertar mais cobiça do que o necessário. Experimentem fazer um exercício matemático do aumento da arrecadação que acontecerá no Rio, com o desenvolvimento de todo o seu potencial turístico e associar isto à outra vertente: a qualidade de vida que será disponibilizada para nós, os moradores.
Para ilustrar melhor o tamanho do negócio, o número de visitantes e suas despesas nas cidades mais visitadas do mundo devem crescer 30% (é isso mesmo, trinta por cento) em 2011, no geral, diz o estudo. Londres, no Reino Unido, superou as outras cidades do mundo em número de visitantes internacionais, com 20,1 milhões de chegadas previstas em 2011. Paris, na França, ficou em segundo, com 18,1 milhões (deve-se levar em consideração que Paris está dentro do MCE, Mercado Comum Europeu, que dispensa passaporte). A cidade britânica também está em primeiro lugar na contabilidade de despesas internacionais, com US$ 25,6 bilhões. Nova York, nos Estados Unidos, vem em seguida, com US$ 20,3 bilhões (o número de visitantes nacionais é cinco vezes maior), à frente de Paris, com US$ 14,6 bilhões em gastos (este número pode ser multiplicado, no mínimo, por dois com o MCE).
Quando foram buscar o Julio Bueno no Espírito Santo, ele era o secretário de desenvolvimento econômico e turismo e, se não me falha a memória, lá ele conseguiu a proeza de triplicar o gasto médio do visitante. Fez tanto sucesso que o Cabral foi buscá-lo, teve que pedir que o governador o liberasse. Porém, aqui lhe tiraram o turismo e deu no deu. No município é a mesma coisa, a secretaria de Desenvolvimento Econômico não engloba a sua vocação natural e o resultado é este: já tínhamos perdido para SP uma liderança que sempre foi nossa e continuamos regredindo cada vez mais e apresentando resultados pífios, que são divulgados como se fossem fantásticos.
A vanguarda mundial
O legado das Olimpíadas será um centro de convenções internacional que, antes de inaugurar, já apresenta um conceito obsoleto, o que põe em dúvida a sanidade mental de seus formuladores. O COI destacou que as autoridades precisam aproveitar as oportunidades apresentadas pelos Jogos para melhorar a vida da população. Alguém, depois das promessas do Pan, ainda acredita nisso? Vi uma reportagem no Globo Esporte esta semana, sobre o pós Copa na África do Sul mostrando retorno zero ou subutilização da infraestrutura construída, o que representa um prejuízo de bilhões de dólares.
Já ouvi secretário de turismo municipal dizer que o Rio não precisa oferecer milhares de alternativas e subsecretário estadual afirmar que um projeto com essas características era muito bom, contudo, contrariava seus interesses particulares! Será que não está na hora desta turma botar o pijama e permitir que a cidade se reinvente com qualidade de vida?
Legado de verdade será um Rio reinventado com um mecanismo independente de mudanças de governo, autossustentável, composto por um colegiado de representantes dos mais diversos setores que dê segurança aos investidores de que a política pública do turismo é de longo prazo e defendida por toda a sociedade.
Por que o Rio não pode ser a vanguarda mundial em curto tempo? Juntos, nós podemos.

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