quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A indecente pseudorrevitalização do Rio

Por José Paulo Grasso


Projeções feitas pelo presidente do Instituto Pereira Passos e secretário municipal do Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro, Felipe Góes, mostram um caixa do município bem mais robusto, com a retomada do controle dos territórios pelo estado e a incorporação à cidade formal dos 46 milhões de metros quadrados ocupados pelas 1.020 favelas do Rio. O aumento de receita é parte de um processo que economistas modernos passaram a chamar de círculo virtuoso. Só de adicionais no bolo tributário municipal, seriam R$ 90 milhões por ano. Os cálculos de Góes estimam um crescimento de 4% (R$ 50 milhões) no recolhimento de IPTU, sendo aplicada a alíquota mínima de cobrança. No ISS, o aumento seria de 1,6% (R$ 40 milhões), com a regularização de 30 mil estabelecimentos em favelas.
Como um secretário pode fazer uma afirmação desssas sabendo que somente 32% dos imóveis da cidade pagam IPTU? Hoje, dos mais de 2,2 milhões de construções residenciais e comerciais (sem contar salas) existentes na cidade – tanto no asfalto como em favelas e loteamentos irregulares, cerca de 710 mil apenas (32,22%) pagam IPTU, segundo a Secretaria Municipal de Fazenda. O próprio secretário-chefe da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, informa que a prefeitura deixa de arrecadar cerca de R$ 150 milhões por ano.
A pergunta é: se a economia fosse revitalizada, a cidade ganhasse qualidade de vida, não seria mais fácil rever o sistema de isenções e atualizar as cobranças? Porque, como se sabe, onde a cidade funciona, como na orla marítima e na Lagoa, por exemplo, 91,5% dos imóveis pagam IPTU. Já nas zonas Norte e Oeste, onde a realidade é radicalmente diferente, esse percentual chega a ser inferior a 1% em alguns bairros.
O importante é tornar esta parte da “Cidade partida” integrante do tal ciclo virtuoso, e isso não se resolve sem um plano diretor voltado para encarar um problema que já vem de décadas. A partir desta constatação, sabendo que nada está sendo feito nesse sentido e que também nada foi feito para se dar titularidade nas áreas já ocupadas, como cobrar? Desta forma o valor calculado acima não será atingido, e o ciclo virtuoso, como fica? Cidades que se reinventaram tinham, sem exceção, um transparente plano diretor ancorado em uma atividade âncora exatamente para mobilizar toda a sociedade e se concretizar com rapidez.
O município do Rio de Janeiro tem praticamente 6 milhões de moradores (IBGE). Metade mora em favelas ou similares e não possui sequer comprovante de residência, o que ocasiona o fato de essa pessoa ser invisível à sociedade, pois ao não possuir comprovante de residência não se pode abrir sequer um crediário. Sendo que o crédito é o principio básico da economia. Ou seja, dizer que o índice de desemprego está em 5% é uma falácia criminosa. O Ipea acabou de produzir um estudo demonstrando isso. O desemprego entre os mais pobres, que era 11 vezes maior em 2005, pulou para 37 vezes mais cinco anos depois.
As pessoas não moram em favelas porque gostam e sim porque foram levadas a isso pela deterioração das políticas públicas e privadas. Com o programa das UPPs e a instalação de apenas 14 unidades, 600 mil pessoas passaram de repente à formalidade e estão pagando por isso: conta de luz (social), net, água... Ainda faltam 2,6 milhões.
Com isso, a prefeitura aproveitou e em entrou com o programa Tolerância Zero para levar também à formalidade o comércio que ronda essas pessoas, as micro e pequenas empresas. Num momento inicial tudo parece estar funcionando. Contudo, a contrapartida exigida por essa entrada na sociedade será dada pelo município e pelo estado? Sem ela o futuro do programa será comprometido.
Sabidamente, não há verba para investimento porque não há um aumento de arrecadação que permita isto, porque o setor produtivo está seriamente afetado por meio século de incúria administrativa que levou a um estado de guerra civil, que culminou com a exigência das UPPs. É o cachorro mordendo o próprio rabo. O que vamos fazer, ficar esperando que a situação se resolva sozinha? Ou vamos acordar e fazer como outras cidades que se reinventaram? Todas tinham um projeto sólido que uniu toda a sociedade. E aqui, como vai ser?
Como a indústria foi expulsa para a economia voltar a funcionar e absorver estas pessoas à formalidade, é necessário que haja um planejamento de longo prazo, com uma âncora clara, plano diretor com metas factíveis e principalmente envolvimento de todos. Deveria ser discutido por toda a sociedade, mostrando as mudanças e obviamente seus ganhos para que quando fosse implantado, obtivesse sucesso. E isso não é sequer pensado, quanto mais discutido.
Na Colômbia, de onde foi trazido o conceito das UPPs, como não houve esta contrapartida, a violência voltou e de forma mais acentuada. Na década de 90 o índice era de absurdas 80 mortes por cem mil habitantes. Com os investimentos governamentais com dinheiro americano diminuíram para 18, número ainda elevado, mas bem melhor. Hoje, com o fracasso do programa, os índices estão beirando 94 mortes por cem mil habitantes. Será que é isso que queremos pós-2016? Hoje os índices aqui no Rio são acima de 28 mortes por cem mil habitantes. São Paulo, mesmo com uma continuidade de políticas públicas de mais de 20 anos, está pouco acima de 10 mortes por cem mil habitantes. O Rio está fazendo como a ONU fez no Haiti, o minustah, mas não revitalizou a economia e os pobres comem bolachas de barro. Lá é um caldeirão a ponto de explodir; e aqui? A realidade das áreas suburbanas é diferente? Sem revitalizar os subúrbios, quando o Rio deixará de ser a “Cidade Partida”?
Está na hora de a sociedade acordar. Caso contrário, os investimentos de R$ 50 bilhões programados terão o mesmo efeito do Pan de 2007, ou seja, só elefante branco e nenhum benefício para a cidade. Tão somente a vergonha de termos perdido a última oportunidade de nos reinventarmos e de termos errado duas vezes seguidas.

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