terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Indignação, porque o Rio precisa de todos

Por José Paulo Grasso
 
A população do Rio mais uma vez provou ser solidaria. Após a catástrofe da região serrana, uma onda generalizada de trabalho voluntário envolveu todos os setores da população e arrecadou toneladas de donativos. Foi tão expressivo o movimento que os mecanismos de distribuição não tiveram como absorver.
 
Já no que se refere ao exercício da cidadania em nosso dia-a-dia, as coisas são um pouco diferente. Os erros e abusos se repetem todos os dias diante dos nossos narizes, mas fingimos descaradamente que nada nos afeta.
 
O município do Rio de Janeiro tem praticamente 6 milhões de moradores (IBGE). Metade mora em favelas ou similares e não possui sequer comprovante de residência, o que ocasiona o fato de essa pessoa ser invisível à sociedade, pois ao não possuir comprovante de residência não se pode abrir sequer um crediário, sendo o crédito o principio básico da economia. Ou seja, dizer que o índice de desemprego está em 5% é uma falácia criminosa. O Ipea acabou de produzir um estudo demonstrando isso. O desemprego entre os mais pobres, que era 11 vezes maior em 2005, pulou para 37 vezes mais cinco anos depois.

As pessoas não moram em favelas porque gostam e sim porque foram impulsionadas a isso, pela deterioração das políticas públicas e privadas. Com o programa das UPPs e a instalação de apenas 14 unidades, 600 mil pessoas passaram de repente a formalidade e estão pagando por isso: conta de luz (social), net, água... Ainda faltam 2 milhões e 600 mil.
 
Com isso, a prefeitura aproveitou e em entrou com o programa “Tolerância Zero” para levar à formalidade o comércio que ronda essas pessoas, as micro e pequenas empresas. Num momento inicial tudo parece estar funcionando, mas a contrapartida exigida por essa entrada na sociedade será dada pelo município e pelo estado? Sem ela o futuro do programa será comprometido.

Sabidamente não há verba para investimento porque não há um aumento de arrecadação que permita isto, porque o setor produtivo está seriamente afetado por meio século de incúria administrativa que levou a um estado de guerra civil, que culminou com a exigência das UPPs. É o cachorro mordendo o próprio rabo. O que vamos fazer é ficar esperando que a situação se resolva sozinha? Ou vamos acordar e fazer como outras cidades que se reinventaram? Todas tinham um projeto sólido que uniu toda a sociedade e aqui como vai ser?
 
Como a indústria foi expulsa para a economia voltar a funcionar e absorver estas pessoas à formalidade, é necessário que haja um planejamento de longo prazo, com uma âncora clara, plano diretor com metas factíveis e principalmente envolvimento de todos. Deveria ser discutido por toda a sociedade, mostrando as mudanças e obviamente seus ganhos para que quando fosse implantado, obtivesse sucesso. E isso não é sequer pensado, quanto mais discutido.
 
Sem querer torcer contra, na Colômbia, de onde foi trazido o conceito das UPPs, como não houve essa contrapartida, a violência voltou e de forma mais acentuada. Na década de 90 o índice era de absurdas 80 mortes por cem mil habitantes. Com os investimentos governamentais com dinheiro americano diminuíram para 18, número ainda elevado, mais bem melhor. Hoje, com o fracasso do programa os índices estão beirando 94 mortes por cem mil habitantes. Será que é isso que queremos pós-2016? Hoje os índices aqui no Rio são acima de 28 mortes por cem mil habitantes. São Paulo, mesmo com uma ontinuidade de políticas públicas de mais de 20 anos, está pouco acima de 10 mortes por cem mil habitantes. O Rio está fazendo como a ONU fez no Haiti, o minustah, mas não revitalizou a economia e os pobres comem bolachas de barro. Lá é um caldeirão a beira de explodir; e aqui? A realidade das áreas suburbanas é diferente? Sem revitalizar os subúrbios quando o Rio deixará de ser a “Cidade Partida”?

Ou seja, quando enfrentaremos isso que se vê no cotidiano: garotos nos sinais a qualquer hora do dia tentando faturar algum, a impressionante disputa diária das latas de alumínio pelas ruas por pessoas de todas as idades e classes, de gente e não bichos fuçando as lixeiras para tirar algo para comer, dormindo onde podem porque as marquises (que deveriam nos proteger do sol e da chuva) estão sendo derrubadas para expulsar esses infelizes; os espaços são gradeados e até os bancos nas pracinhas públicas são pensados para impedir sua utilização pelos indigentes, este exército de despossuídos; o aumento incessante dos mais diversos tipos de ocorrências policiais, deterioração do bem público, fato que levou o poder público ao inusitado de propor que monumentos sejam protegidos por vidros à prova de bala; flanelinhas por todos os lados, ambulantes, camelôs, todo o tipo de desordem urbana, que não está acontecendo por acaso e que simplesmente decidimos ignorar.

Acorda Rio!, esta situação tem que ser revertida e a hora é agora. Pela revitalização da economia do RJ.
 
O caos esta em todos os setores da administração pública: saúde, transporte, educação, saneamento básico, infraestrutura... Tudo é lastimável. Isto não afeta somente os desfavorecidos e sim inibe de uma forma perversa toda a economia. Os aeroportos são péssimos e os horários não são cumpridos (só para pensarmos na catástrofe anunciada que será na Copa em 2014, caso nada efetivo seja feito). O trânsito na cidade está cada vez pior porque há décadas não se investe em infraestrutura; o aumento de carros novos (mais de 40 mil veículos por ano) já acendeu o alarme no Detran, e os transportes de massa não estão dando conta da vazão e se perde horas no deslocamento diário.
 
Uma pesquisa promovida por uma ONG, que consiste em sair do centro e chegar ao Leblon das mais diversas formas (a pé, de bicicleta, carro, ônibus, metrô ou suas variantes) constatou que em 4 anos o tempo consumido no trajeto aumentou em vinte e dois minutos de automóvel. Em quanto tempo ficará inviável? E a poluição que os engarrafamentos produzem e que afetam drasticamente o clima, já que essa emissão de CO² já foi comprovada como o fator que leva a provocar chuvas torrenciais como as que estão ocorrendo em SP, que já foi conhecida como a terra da garoa? Some a isso os transtornos que este conjunto de fatores provoca na qualidade de vida do carioca, como, por exemplo, a poluição provocada pelo esgoto sanitário sem tratamento adequado, que ameaça transformar o Rio numa cloaca, uma violência estúpida que só pode ser atribuída ao abismo socioeconômico que, além de provocar um êxodo contínuo, entre outros fatores, ainda inviabiliza a entrada de novos negócios que poderiam modificar essa realidade.
 
Tudo isto se reflete na vida dos que estão tentando entrar no mercado de trabalho, que influenciados pela desordem econômica reinante, vão procurar acima de tudo estabilidade e só querem saber de fazer concursos públicos, o que não acomodará a maioria. Sem falar da falência ética dos políticos que deveriam legislar formas de propor mudanças socioeconômicas e que se revezam em usar suas tribunas só para prestar homenagens a seus apadrinhados. Além, é claro, da descontinuidade das políticas públicas que inibem o empresariado que quer fazer investimentos com perspectivas de médio e longo prazo.
 
O que quero dizer é que o atual caos não está afetando somente aquele que não tem voz para reclamar e sim a todos de uma maneira geral. Do desfavorecido ao magnata todos sentem na pele os problemas e mesmo assim, pergunto, nada se faz? Acorda Rio! Vivemos a conseqüência da alienação produzida por décadas de má administração pública, que só poderá ser alterada, como em outros lugares do mundo que tinham problemas semelhantes e até piores, através da união de toda a sociedade em um projeto sólido, conduzido por um plano diretor apoiado em metas e que, principalmente, aumente a renda per capita dos moradores de maneira bem clara, de preferência apoiada na melhor âncora que podemos ter: a vocação natural da cidade, o turismo.
 
Lembre-se, carioca, de que como bem falou o arcebispo sul africano Edmond Tutu, prêmio Nobel da Paz: “Se ficarmos neutros numa situação de injustiça, teremos escolhido o lado do opressor”. E é exatamente isso que estamos fazendo ao ficarmos impassíveis quanto às possibilidades de mudanças. Portanto, ‘Acorda Rio!’; vamos apoiar um projeto de revitalização da economia que une toda a sociedade e que levará o Rio à vanguarda mundial em curto espaço de tempo, como, aliás, aconteceu em todos os lugares em que o turismo foi utilizado como instrumento de transformação.

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